quinta-feira, 28 de abril de 2011

Viva a Tecnologia!

Houve uma época em que a tecnologia não jogava a favor dos publicitários. Tudo era feito de forma meio artesanal. Se hoje queremos colocar a chamada num anúncio para jornal, por exemplo, escolhemos a fonte, o tamanho da fonte, crescemos ou diminuímos proporcionalmente, decidimos entre milhares de cores, mexemos pra cá, pra lá...Uma imensa liberdade para, com rapidez, alcançarmos os resultados que desejamos. A tecnologia, hoje, permeia todos os setores do nosso mercado publicitário.

Comecei minha vida publicitária como fotógrafo. Sempre fiquei dividido entre as paixões por fotografar e escrever. Na fotografia, a tecnologia também jogava contra. Basta dizer que não havia Photoshop, a salvação dos fotógrafos e diretores de arte dos dias de hoje. A bem da verdade, a salvação de todos nós. Naquela época, ainda não havia foto digital. A foto tinha que sair boa e tudo era muito caro: o filme era caro, a revelação era cara, era um Deus nos acuda. Para compensar, no entanto, havia o glamour. O laboratório para fotos preto e branco, com aquela luz vermelha, deixava as mulheres apaixonadas. Muitos romances tiveram, como palco, o ambiente de sonho do laboratório. Como nada é perfeito, havia o odor insuportável dos produtos químicos. Mas a paixão dava conta de aliviar o cheiro fétido dos líquidos que deixava todos os laboratoristas com uma tremenda cara de morte, personagens saídos de algum poema de Augusto dos Anjos. Aldemar, que trabalhava comigo, tinha essa cara.

Tinha o profissional que criava, tinha o redator, tinha o cara que fazia o layout e, por fim, o artefinalista, o último ponto de parada antes de o anúncio seguir para a gráfica. Mesmo o anúncio de jornal, que hoje segue tranquilamente pela internet, naqueles tempos, tinha que ser mandado pra gráfica para fazer o fotolito e, só depois, ser levado para o jornal. Os caras que faziam os layouts eram verdadeiros artistas. O que a gente faz hoje, no computador, com referências, os caras faziam na mão, pintando o que vinha na imaginação. O layout era normalmente produzido em tinta guache. Com a chegada da tecnologia, muitas ferramentas foram desaparecendo. Acho que nenhum estudante de publicidade, hoje, sabe o que diabos era uma folha de Letraset. Funcionava assim: para colocar uma chamada, você tinha que aplicar letra por letra, da superfície plástica para o papel. Havia inúmeras fontes e diversos tamanhos. Não sei como conseguíamos tempo para fazer um anúncio.



O fotolito também morreu. As boas gráficas, hoje, já utilizam a tecnologia CTP (Computer to Plate), ou seja, do computador direto para a chapa. Houvesse essa tal tecnologia lá nos idos dos anos 90, eu não teria me metido na enrascada em que me meti.

Criamos um layout para o material de reeleição do deputado Harlan Gadelha. Para economizar papel, a estratégia era fazer de uma maneira em que todos os formatos fossem contemplados: santinho, formato 16, formato 8, formato 4 e formato 2. Quando a gente cria alguma coisa, fica sempre na expectativa do que vai ser o produto final. É sempre assim. A gente fica tenso, achando que esqueceu alguma coisa, que tem uma palavra errada, que isso, que aquilo. Uma verdadeira neura. Fui pessoalmente à gráfica ver o material pronto. Ao ver os impressos, algo muito estranho me bateu. Tomei um cartaz nas mãos. Eu olhava para o cartaz que olhava de volta para mim. Tinha alguma coisa errada e eu não sabia definir o que era. A peça final não tinha a harmonia do layout. Passaram-se alguns segundos – que, para mim, pareceram uma eternidade – quando, num repente, tudo ficou claro na minha mente. A porra da fotografia do deputado tinha sido impressa ao contrário. Por isso a falta de harmonia, por isso aquela coisa estranha, por isso que eu tive aquela sensação, aquela sensação…Aquela sensação de… Fodeu!

Era o material todo de campanha. Na hora de gravar o fotolito na chapa, a gráfica deixou o texto certo, mas inverteu a foto do homem. E agora? O que fazer com aquela montanha de papel? Entregar o material ao comitê do candidato, sem alertar para o erro, nem pensar. Até que chegamos a um consenso. Vamos reunir o candidato com a família, entregar os impressos e dizer que tem um problema com o material. Vamos ver o que eles percebem.

A foto invertida de Harlan Gadelha tirava toda a harmonia do layout


Entreguei o material. A primeira reação de todo mundo: família, candidato, aspones – politico que é político tem aspone – todos acharam ótimo. Os aspones, então, que ficam prestando atenção na reação do chefe e da mulher do chefe, ao perceberem o ar de felicidade, derramaram-se em elogios. É o puxa-saco, o baba-ovo, o xeleléu. Eles não têm opinião própria. Sempre acham o que o chefe acha mais 20%. Se o chefe acha bonito, eles acham lindo. Se o chefe acha ruim, eles acham péssimo. E foi aí que eu entrei com o meu texto:

- Deputado, o material está com um problema.

Silêncio geral. Tensão no ar. O sorriso dos aspones desapareceu. Peço para todos tentarem identificar o problema. Ninguém, literalmente, ninguém aponta o erro na inversão da foto. Todos desistem, pedem para eu revelar o problema, o que faço prontamente. Os aspones esbugalham os olhos em direção primeiramente a mim e depois ao chefe e à mulher do chefe, esperando pela reação do candidato para assumirem a reação mais 20%. Não esqueço jamais de como Harlan assumiu uma postura humana, até humilde, nesse momento, mesmo em condições morais de recusar todo o material.

- Se minha mulher, que dorme e acorda comigo todo dia, não conseguiu perceber é porque o material tá bom demais. Tá aprovado!

Os aspones, naturalmente, gargalharam da piada do chefe e concordaram que o material estava ótimo, que estava maravilhoso, que estava sensacional para começar a ser distribuído. Aspone é uma graça. Foi um sufoco, um dos momentos mais tensos de minha vida profissional. Escapei de ter um dos maiores prejuízos da minha carreira. Hoje, com os mecanismos de controle que existem, é praticamente impossível acontecer um erro assim. Viva a tecnologia!

3 comentários:

  1. Primo,
    fui dessa época, trabalhei como arte-finalista com prancheta, régua T, letraset, Sr. David da composer, fotolitos, cola de sapateiro pra fazer arte-final, etc. E o aerógrafo só o chefe do estúdio podia pegar. kkkk Show de bola, tempos bons que sempre trazem saudades.
    Ficarei com saudades desses textos gostosos semanais, mas concordo com você. Se passou a ser obrigação e não só prazer, pare, dê um tempo e só escreva o que tiver vontade. Vai ser tudo maravilhoso mesmo! Bjs.

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  2. Minha Prima querida,
    História é sempre gostoso de se contar. E acho, mesmo, que é só uma questão de eu não ficar na pressão. Tenho postado sempre bem cedinho, na quinta-feira, para que as pessoas sintam que podiam contar com aquela leitura. Mas, de verdade, não quero me sentir pressionado, até mesmo para não perder o prazer de escrever. Obrigado por ter acompanhado ao longo do tempo. Bjs

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  3. Titio: lem,bra do texto que postei no coemço do mês no Porta-Voz, falando sobre o que é escrever para mim? Pois então, escrever é algo é aquela coceirinha que dá nos dedos quando as letras ficam se misturando em nossa cabeça, querendo serem postas, ordenamente, em um papel (eu prefiro no computador...). Enquanto a gente não senta e vai misturando com gosto as letras e as palavras, a coceira só aumenta. Daí, a organiza a loucura que está em nossa cabeça, digita as danadas da letras e quando vê o produto final, snete aquele gostinho de missão cumprida. E isso nos dá alegria e prazer.
    Se não for assim, tem algo errado.
    Adoro seus textos, faz tempo e vc sabe disso. E não queria fizer sem eles por tanto tempo, quanto fiquei desde a última vez,. há anos, que vc escreveu para o porta-voz.
    Então, faz o seguinte, em lugar de deixar de postar, deix de ter a obrigatoriedade de postar às quintas. Posta quando tiver vontade e surpreenda a gente, enviando um e-mail para avisar que tem texto novo. Sem pressão, NO STRESS. Um beijo bem grande.

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