segunda-feira, 11 de janeiro de 2021

Adelita vai me entrevistar

Eu estava com 21 anos de idade quando parei meu carro no estacionamento do Colégio Auxiliadora para ser entrevistado pela Irmã Adelita. 


Eu tinha começado a ensinar meio por acaso. Minha irmã mais velha, que também era minha mentora, foi responsável pela minha inserção na área de ensino. Ela também foi responsável por eu ter começado a estudar Inglês com apenas 11 anos. Aos 14 anos já havia completado um intercâmbio nos Estados Unidos e, aos 18, voltei a Ohio para estudar apenas Gramática, Literatura Inglesa e História Americana. Nessa segunda viagem, o motivo não foi tanto o estudo. Para ser sincero, inventei essa história de estudo para os meus pais, mas o que eu queria mesmo era uma revanche. Como no primeiro intercâmbio, eu tinha apenas 14 anos, e com essa idade a gente não conseguia fazer nada, eu queria mesmo era aproveitar todas as farras dos 18. Entretanto, como estratégia de marketing, eu assumi essa história de gramática,  literatura e história, de ser um jovem dedicado aos estudos, um exemplo para outros da minha idade. E parecia tão verdadeira que até eu acreditei. Hummm, mais ou menos.

E foi muita farra. 

Faltava apenas uma semana para eu concluir o meu período de "estudos" nos Estados Unidos, quando minha irmã me  ligou perguntando se eu queria dar aulas de inglês no Vera Cruz. Inconsequente como eu era, eu não pensei duas vezes. Topei na hora. Aliás, aos 18 anos, a gente não tem medo de nada, A gente topa tudo. Aos 16 anos de idade, eu já havia pulado de paraquedas de um avião em pane. (Veja aqui como foi: http://ivanildoholanda.blogspot.com/2011/02/pula-que-eu-vou-pular.html) Imagina se eu ia ficar com medo de dar aula de inglês, uma coisa que eu já estudava desde os meus 11 anos.

As aulas já haviam começado e como eu me atrasaria por duas semanas, por ter de concluir a escola americana e conseguir remarcar minha passagem, a coordenadora do colégio fez o marketing junto às alunas do Vera Cruz que, à época, era um colégio exclusivamente feminino. Ela foi às salas do 3º ano e disse que o novo professor de inglês se atrasaria duas semanas porque estava concluindo uma especialização nos Estados Unidos. Marketing também, que nem o meu. Rsrsrsrsrs. Mas um marketing necessário. As meninas do Vera Cruz eram abusadas. Filhas de famílias ricas e tradicionais do Recife, tratavam os professores como uma casta inferior. Na primeira aula, fui testado, testado e testado pelas falas e rostos mais arrogantes que eu já havia visto. Eu tinha 18 anos e as meninas tinham 17. Até hoje, não sei como isso funcionou. 

Dentre as meninas ricas e abusadas, as mais ricas e mais abusadas não conseguiam compreender, nem aceitar, o fato do professor ter a mesma condição que elas. Eu era extremamente mimado por meu pai, mesmo sem merecer, até porque eu sempre fui muito chato. E, recém-saído da adolescência, a minha chatice era abundante. Mas foi justamente o mimo exacerbado do meu pai que me deu as ferramentas adequadas para enfrentar as abusadas do Vera Cruz. Era a guerra Mimado x Abusadas. Uma guerra absurdamente ridícula travada por duas partes ridículas, eu aí incluído. Após duas ou três semanas, selamos uma paz duradoura que se transformou numa aproximação cada vez maior e mais carinhosa. Elas continuavam abusadas, eu continuava mimado e um pouco abusado também. 

Quando cheguei ao Auxiliadora para falar com Adelita, eu já era um professor experiente com dois, DOIS ANOS INTEIROS de ensino. Imagine a experiência! O meu cabelo grande tinha crescido ainda mais. As minhas roupas, completamente inadequadas para uma entrevista de emprego, compunham um quadro bem singular. Por outro lado, eu tinha consciência de que aquele meu visual fazia parte de uma imagem que eu cultivava e da qual eu tinha até um certo orgulho. Estacionei meu carro e me dirigi à secretaria para ser anunciado à Irmã Adelita. Quando Adelita me recebeu, ela me pareceu atônita com a imagem que os seus olhos presenciavam. Apesar de sempre ter estado muito à frente do seu tempo, ainda assim a minha presença era algo de perturbador. Ela me olhou dos pés à cabeça, talvez pensando consigo mesma: "Que indicação é essa que me fizeram?" 

Adelita fez algumas perguntas básicas sobre a minha experiência, quais os colégios onde eu ensinava e, quando eu disse que dava aulas no Vera Cruz, ela deve ter pensado: "Bom, se ele dá conta daquelas abusadas, ele não vai ter problema com as nossas alunas." O fato era que Adelita estava sem tempo para conseguir um outro professor. Como eu havia sido indicado por João Correia, professor de Biologia, um colega que era considerado experiente na área de pré-vestibular, Adelita entregou a situação a Deus, terminou levando numa boa minhas roupas e meus cabelos e já marcou para eu comparecer, no dia seguinte, ao Planejamento Pedagógico, uma coisa extremamente chata, com umas dinâmicas infantis, um saco. Mas, enfim, eu havia sido contratado para dar aula em duas turmas do 3º ano do Maria Auxiliadora.

Eu estava com 21 anos de idade recém-completados. Tinha trocado o meu carro por um conversível esporte, uma vibe bem cabelos ao vento, quando parei em frente à igreja que ficava de frente para o portão de entrada do pequeno estacionamento do Auxiliadora. Com agilidade saí do carro bem baixo (hoje seria uma operação bem mais demorada e sofrida) e me encaminhei para o prédio que ficava do lado contrário ao que eu havia sido entrevistado por Adelita...