segunda-feira, 2 de janeiro de 2012

Três pontos de vista

Paris, 29 de dezembro de 2011.

O frio no Champs Elysée é cortante em dezembro. Mesmo assim, hordas de turistas descem e sobem dos ônibus especiais, aqueles em que a parte de cima é aberta. Bem próximo ao Arco do Triunfo, naquela fria manhã, um grupo de senegaleses executava algumas acrobacias ao som de um hip hop, em volume alto, em som tirado de uma caixa acústica à bateria. Algo em torno de 150 pessoas assistiam à apresentação e se divertiam com as acrobacias daqueles cinco jovens.

Apesar do frio, o céu estava completamente azul. Não havia uma nuvem sequer. Pelo que pude perceber, de onde eu estava, eles haviam chegado ao clímax do espetáculo. Foi nesse momento que dois policiais entraram em cena interrompendo o show. Os rapazes não podiam se apresentar ali. Mas, assim? Não mais que de repente? Foi então que procurei analisar o momento, sob o ponto de vista de cada um dos envolvidos, naquele pequeno episódio em um dos mais visitados cartões postais de Paris: o público, o grupo senegalês e os policiais.

Comecei pelo lado do público que ensaiou algumas vaias aos policiais. Esse mesmo público já haveria esquecido dos senegaleses, da apresentação e dos policiais no próximo instante, quando desviariam a lente de suas máquinas e sua atenção para o próximo ponto de interesse. Quase todos os turistas são superficiais como eu.

O grupo perdeu alguns trocados, é verdade. Poderiam ter faturado muito mais com a solidariedade fast food dos turistas. Logo mais, no entanto, estariam em outro cartão postal, ou naquele mesmo, fazendo novamente a mesma apresentação calculada para arrancar moedas de 2€ de quantos turistas parassem para apreciar o seu show tão fast food quanto a solidariedade dos turistas. Mesmo os rostos de desapontamento, de uma ensaiada tristeza com a interrupção policial, faziam parte da apresentação em busca de uns últimos trocados.

Mas, então, resolvi analisar a ação dos policiais. Vi, desde a hora em que se aproximaram, relembrando ao grupo de artistas de rua de que o que estavam fazendo ali era contra a lei. Não parecia ser a primeira vez que eram advertidos. Os policiais entraram no "palco" investidos apenas da lei. Mais que isso, entraram com a certeza de que estavam agindo correta e coerentemente, já que eles são pagos para defender a lei que foi estabelecida pelos representantes da sociedade. Ao receberem a vaia, ao invés de se intimidarem, se investiram ainda mais da força da lei e se impuseram. Não houve negociação, explicação, mas não houve violência igualmente. Apenas, e tão somente, a aplicação da lei. Naquele lugar, de acordo com a lei, não pode haver apresentação de rua. 

E você deve estar pensando: "Ivanildo virou o maior reaça!"

Talvez tenha virado mesmo. Mas, imagina o caos que seria se, além dos senagaleses, aparecesse uma batucada brasileira com as mulatas de biquini, ou uma banda americana cheia de coreografias, ou uns escoceses com gaitas de fole... Será que vocês imaginam a zona que o lugar viraria?

Mas, o que realmente me impressionou foi a imagem dos dois policiais - franzinos - mas, investidos de poder e legitimidade. Eles não estavam ali apenas executando um trabalho. Eles estavam ali para defender o que a comunidade à qual eles servem decidiu. Sem violência, sem arrogância, porém firmes. Eles eram dois, apenas, mas com a autoridade de milhões de franceses que decidiram, democraticamente, que na esquina do Arco do Triunfo não vai ter batucada brasileira, nem fanfarra americana, nem escocês de saia tocando gaita de fole. E nem senegalês fazendo acrobacia ao som de hip hop. Pronto. 

Sou reaça? Talvez seja mesmo. Nos meus áureos vinte e poucos anos, provavelmente eu estaria vaiando a polícia, correndo pra cima, dando porrada, fugindo dela. Estaria protestando e adorando. Mas, isso, lá atrás, nos meus vinte anos.

Se eu tinha alguma dúvida de que havia mesmo envelhecido, ela acabou de se dissipar.

P.S. Por mais glamuroso que pudesse parecer, eu não escrevi esse texto em um café de Paris, observando parisienses daqui pra lá, de lá pra cá. Escrevi esse texto na sala de espera de uma clínica em Barcelona, onde meu filho Rafael está fazendo uma ressonância para sabermos se ele vai precisar fazer uma cirurgia de emergência.

P.S. Desespero. Ele vai precisar, sim, fazer a cirurgia. O médico disse que é quase certo ele perder o testículo esquerdo. Eu e minha esposa seguramos a onda até ele entrar na sala de cirurgia. Depois, desabamos. Choramos e rezamos muito.

P.S. Alívio. Os médicos saíram. A operação foi um sucesso. Salvaram o testículo de Rafael. Agora, deitado na cama do hotel, ao lado dele, experimento a calma de estar junto do meu filho amado, cultuando a sua recuperação. Graças a Deus.