quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

Pula, que eu vou pular!

Aos 16 anos, eu ainda não havia sido mordido pelo bicho da publicidade. Estava me preparando para fazer o vestibular no final do ano.  Um certo domingo, tive que ir com o meu pai ao Aeroclube de Pernambuco. Ele ia fazer uma viagem e, em vez de sair do Aeroporto dos Guararapes, o avião, um bi-motor Baron Beechcraft, decolaria de lá. Quando cheguei ao Aeroclube, fiquei encantado com os pequenos monomotores de treinamento. Pensei comigo:

- Caramba, deve ser uma experiência fantástica voar numa coisa como aquela.

Foi naquele momento que eu decidi abandonar o meu curso de alemão, depois de seis meses de arranhões na garganta e a tentativa de decorar palavras quilométricas. Eu tinha a justificativa para mim mesmo: eu ia ser piloto de avião. Mas, na verdade, não queria seguir carreira. Queria apenas voar.

Meu pai concordou na hora. Na semana seguinte, eu já estava fazendo o curso teórico, ansioso por aquele que seria o meu primeiro voo. Foi num Fokker T-21. Coloquei o macacão de voo todo orgulhoso, identifiquei o instrutor que ia voar comigo. Ele percorreu cada centímetro do avião, mostrando tudo que eu deveria observar antes de entrar na cabine.
O Fokker T-21

Finalmente, subimos. O Fokker T-21 tinha uma cabine transparente que era travada em cima. O instrutor ligou o motor. O meu coração batia acelerado. Chegamos à cabeceira da pista, ele deu potência total. A aeronave rasgou a pista do Aeroclube de Pernambuco e, de repente, me vi no ar com o mar do Pina à minha frente. Que bela visão. Iniciamos um voo suave em direção ao norte. Passamos por Olinda, e fizemos a volta. Eu estava me sentindo o próprio Fernão Capelo Gaivota. Quando atingimos, mais ou menos, o Cais José Estelita, aquele instrutor resolveu me fazer desistir do curso. Olhou secamente para mim e, com a cara mais inexpressiva do mundo, falou:

- Vamos fazer um parafuso.

Olhei pra ele apavorado e rebati com a voz engasgada, em pânico.

- Parafuso? Como assim, parafuso? Aqui, no centro da cidade?

As frases seguintes eu não disse pra ele, só pensei comigo.

- Parafuuuusssooo! Kerêêêlhooooo!!!! E se essa merda não sair do parafuso... Ai que saudade do meu curso de alemão. Eu não sou gaivota, porra nenhuma. 

Pensei nas asas derretidas de Ícaro. Vi meu corpo estrebuchando no chão.

A sensação do parafuso provocado é bem desagradável. O avião começa a subir até não poder mais. Quando está perto de não poder mais, ele começa a se tremer - acho que de medo, também - e, quando a tremedeira aumenta, o piloto mete o pé no pedal, o avião vira para o lado que ele determinou, e, aí, como se estivesse desmaiando, embica em direção ao solo e girando no próprio eixo. E eu vendo o mundo girar. Nem nas minhas maiores cachaças eu vi o mundo girar tanto. Aí, ele equilibra, para de rodar e, assim, do nada, começa a sair do parafuso. Você sente a pele do seu rosto repuxar para baixo, coração, pulmões e todo o seu aparelho digestivo querendo sair pela boca e os olhos em um estado de arregalamento só possível de descrever com os traços de desenho animado.
Essa é a visão que você tem do mundo quando faz um parafuso pela primeira vez.

Aquele instrutor queria mesmo me sacanear. Mas, aí, eu percebi o que ele queria e resolvi, eu, sacaneá-lo. Comecei a gritar feito louco dentro da cabine:


- Que massa
, veio, muito legal, muito legal, faz mais outro, quero mais outro, mais um, por favor mais um, só mais um...

O instrutor, tão seco quanto antes, respondeu:

- Não. A sua hora acabou. Vamos pousar.

Aquele filho da puta me aplicou um dos maiores sustos da minha vida. Mas eu consegui fazer com que ele se decepcionasse também. No entanto, pensando bem, devia ter desistido ali. Tivesse eu sido sábio, teria evitado o pior que ainda estava por acontecer.

Dois meses depois, o Aeroclube partiu em esquadrilha para Caruaru. Foi uma festa. Quando chegamos e descemos dos nossos aviões com aqueles macacões azuis, éramos os próprios Top Guns do Agreste. Pense no sucesso. Foi um fim de semana de festa. Muitas acrobacias feitas pelos ases - loopings, rasantes, parafusos - e eu, ainda estando no início do curso, assistindo a tudo do solo. Mas com o meu macacão azul.

Chegou a hora de voltar. Eu tinha apenas 5 horas completas de voo. O piloto que ia levar o Fokker T-21 de volta para Recife tinha acabado de conquistar o seu brevet. Tinha 45 horas de voo, o que em aviação não significa absolutamente nada. O cara com 45 horas de voo não está preparado para nada. Só que, na volta para Recife, tudo que não podia acontecer, aconteceu. Fomos o primeiro avião a sair de Caruaru com a função de observar se havia teto na Serra das Russas, em outras palavras, se a serra não estava tomada por neblina, o que impediria um voo visual. O pessoal calcularia o tempo e, caso não voltássemos, é porque havíamos passado com tranquilidade. Isso porque o Fokker T-21 nem sequer tinha rádio.

Antes de decolarmos, os outros pilotos fizeram uma brincadeira de mau gosto: colocaram uma coroa de flores em cima da cabine. Benzeram o avião, encenaram choro, um monte de performances para assustar o primeiro voo importante de Paulo Bigode e do aluno inciante que compunha o resto da tripulação. E, agora, você pensou: o nome do cara que ia pilotar o avião era Paulo Bigode? E você conclui: não tinha a menor possibilidade de isso dar certo.

Atravessamos legal a Serra das Russas. Mas, quando passamos de Vitória de Santo Antão, tivemos a visão do juizo final à nossa frente. O céu estava preto. P-R-E-T-O. Eu nunca tinha visto, em toda minha vida, um céu tão preto como aquele. Eu vi Paulo Bigode engolir seco. E foi exatamente aí, nessa ausência de saliva, que ele cometeu a maior merda da vida dele: o cara entrou na porra da nuvem preta. Ele podia fazer tudo, menos entrar naquela nuvem preta. Foi como se a gente tivesse entrado na metade da volta de uma montanha russa. A chuva e o vento abriram a cabine do Fokker. Começaram os trovões, relâmpagos, um balanço a ponto de me jogar por cima da cobertura da cabine. Um desespero. Eu já tinha certeza de que ia morrer. Uma luta durante quase meia hora. Foi então que Paulo Bigode olhou pra mim e, entre os estrondos dos trovões, se dirigiu ao seu "co-piloto" gritando:

- Pula, que eu vou pular!
Ai, ai, ai... Como assim "pula, que eu vou pular!?"... Eu estava mais como passageiro do que como co-piloto naquele avião. Eu só tinha 5 horas de voo, mal tinha aprendido a decolar. O pouso é a última manobra que se aprende no curso. Mas pular é uma coisa que a gente não aprendia. A única instrução que nós tínhamos, em caso de ter que pular, era de apertar bem as tiras do paraquedas, entre as coxas, para que, na hora do impacto, quando ele abrisse, não tivéssemos matéria-prima para um omelete. E Paulo Bigode gritou mais uma vez:


- Pula, Ivanildo, pula! Pula, que eu vou pular!!!!
Não teve outro jeito. Não pulei. Na verdade, me joguei, segurando o mecanismo de abrir o paraquedas, como se ele fosse a minha própria vida. Pulei no vazio. Até quanto eu deveria contar para puxar o mecanismo? Até 3? Até 10? Deveria puxar imediatamente? Fiquei no meio termo. Contei até 10 bem rapidinho: umdotrqucinsesetoinoDEEEEZZZZ!!! E puxei! Senti o impacto. Nada foi amassado. Aí, começou um outro sufoco: onde danado eu ia cair? Eu sabia que a gente estava perto de Recife. Fiquei imaginando, já pensou se eu caio em plena Conde da Boa Vista? E, se eu caio no mar? Eu tenho pavor de mar. Eu vou olhando pra baixo, ainda estou dentro da nuvem, não tenho a menor ideia de onde vou cair. Foi então que, quando eu vi... Só deu tempo fechar os olhos e baixar a cabeça. Como estava ventando muito, me esborrachei de encontro a uma árvore. Uma porrada na cabeça. Perdi os sentidos. Quando acordei, estatelado no chão, anestesiado pela adrenalina, cercado de um imenso silêncio, no meio de uma mata, achei que tinha morrido. 

- Será que isso é uma estação de passagem?

Foi quando ouvi Paulo Bigode gritando o meu nome, desesperadamente. Aí percebi que estava vivo, que aquilo era uma mata e não estação de passagem. O avião não tinha atingido ninguém na área desabitada em que caiu.

Ainda voltei a voar, mas não cheguei a tirar o brevet. O macacão azul, ensopado no meu corpo por horas e horas embaixo de chuva, me rendeu uma gripe e uma bela de uma sinusite que carrego comigo até hoje. Todo mundo quer viajar ao meu lado, de avião, porque, supersticiosos, dizem que é impossível eu morrer de acidente aéreo depois dessa experiência.


E, aí, quando eu achei que a história acabaria aqui, anteontem, caiu na Mercado, um monomotor que não conseguiu pousar no aeroclube. E, em que parte da Mercado ele caiu exatamente? Na minha sala. Eu tinha saído 10 minutos antes para apanhar o meu filho no colégio, uma situação extremamente rara. Isso reforça a teoria daqueles que querem estar perto de mim quando se trata de acidente de avião.
A queda e o içamento. Héber, Roberta, Márcio, Val e Juliana esperando para entrar na agência.

De alguma forma, o acidente dessa semana me lembrou da tragédia na minha adolescência. Revivi de um outro ponto de vista, estando no solo. Depois do susto, todos ficaram bem, inclusive o piloto.

Agora, eu tenho que terminar perguntando a você. Você entra em um avião, o embarque sendo feito em um 737-700 por aquelas aeromoças. Fecham-se as portas. Aí, a chefe da equipe começa a receber os passageiros.

- Eu sou Juracilda Boquinha, chefe da equipe, e quero dar as boas-vindas a todos em nome do Comandante Paulo Bigode e do seu co-piloto Ivanildo. 

Com toda sinceridade, o que você faria numa hora dessas?

quinta-feira, 17 de fevereiro de 2011

Agora, falando sério.

Bem, nem sei se dá pra falar tão sério assim. Depois que eu vi os comentários que os meus amigos postaram no facebook em resposta à minha pergunta sobre o MOL (Química), acho que tudo perdeu a seriedade. Peço, de antemão, perdão aos professores de Química, como peço aos de Física, de Matemática e de Biologia. Assim, fica claro que eu sou Humanas até os ossos. E eu descobri isso cedo? Sim, ali pela 6ª série quando eu me saí extremamente mal numa prova de Matemática. Foi a primeira "nota vermelha" da minha vida.

Tirando os nerds, que gostam de absolutamente tudo, acho que nós, seres normais, tendemos, sempre, para uma das áreas: Humanas, Saúde ou Exatas. E isso se define relativamente cedo em nossas vidas.

Descobri, rapidamente, que o meu negócio era Humanas e não Exatas, nem Saúde. Descobri que não era Saúde porque não vi a menor graça em dissecar o sapo que colocaram na minha mesa na aula de laboratório. Pouco tempo depois, descobri ainda mais fortemente que Saúde não era a minha praia quando, numa festa, um danado de um menino atravessou uma porta de vidro e, ao vê-lo todo ensanguentado, o meu sangue foi fugindo de mim, a visão ficou turva e, por um momento, as pessoas que estavam cuidando do menino ensanguentado desviaram a atenção para mim. Que vergonha. Se, por um lado, descobri que eu não tinha nada a ver com Saúde e detestava Exatas; por outro lado, tinha um prazer próximo ao do sexo nas aulas de Português, Redação e, principalmente, de História. Eu não quero nem pensar no tempo perdido e no espaço ocupado do meu cérebro com coisas que eu jamais utilizei em minha vida nas áreas de Química, Física, Biologia e Matemática. E, acreditem, eu até tento utilizar. Dia desses, precisávamos descobrir como fazer a base de uma peça que era uma circunferência. Eu sabia que, em algum momento, eu tinha estudado aquilo. Mas, não lembrei. Fui no Google e ele me disse que era 2π.r. Eita! Usei, usei, usei! Saí que nem Arquimedes saiu da banheira, nu, gritando pelas ruas de Siracusa: "Eureka! Eureka!". Bom, eu, pelo menos, não estava nu.

Mesmo levando em conta as aulas de Química, Física, Biologia e Matemática que matei no Ensino Médio, pra ficar tocando violão e flauta doce, consegui ser aprovado na UFPE para Administração de Empresas, em um belo de um 7º lugar. Se fosse hoje, com o tanto de violão e flauta doce que eu toquei, e tivesse feito vestibular para Música, teria ficado com o primeiro lugar e ainda ganhava o carro 0km da Globo. Que maldade, Ivanildo Holanda! Que comentário capcioso! E por falar nisso...

Dos dez primeiros colocados no Vestibular das Federais, deste ano de 2011 da era cristã, seis, isso mesmo, seis são do curso de Música! Uau! Dizem por aí que o pessoal de Medicina tá pau da vida. É claro que qualquer pessoa sensata vai achar esse resultado muito estranho. Houve mudança de critério e, tá na cara, uma mudança de critério braba. Eu fico imaginando que isso foi decidido numa reunião de sábado à tarde, ali pelas 17h. Os professores que foram definir o destino de mais de 40 mil feras chegaram todos já meio altos das cervejas que tomaram ao longo do dia. O Prof. Zacarias Sterlig dirige-se a um colega de forma escrachada:

- Fala aí, "Oião"!

Ou vocês acham que os professores universitários se tratam formalmente numa reunião de sábado à tarde para decidir sobre vestibular?  O Prof. Stenio Kochanwsky, o Oião, responde na mesma moeda:

- Fala, Zé Ruela. Quem foi o "viado" que marcou essa porra dessa
reunião num sábado à tarde?

Nessa hora, levanta a Profª Alícia, presidente de uma das comissões, com toda sua simpatia, e diz com aquela cara de b#%*& que ela tem:

- Fui eu, professores. Por favor, ilustres membros do conselho, vamos manter um pouco de dignidade acadêmica.

Nessa hora, o mais velhinho do grupo, à beira da aposentadoria compulsória e completamente embriagado, sai do banheiro sem as calças, vestindo apenas uma cueca samba-canção de bolinhas vermelhas. O professor doutor Remildo Roller, com uma lata de cerveja na mão, esbraveja:

- Dignidade acadêmica é o cara#%*¥. Eu quero é música, eu quero é música! Rola o sambinha aí, pessoal!.

Foi então que, inspirados pela fala de Roller, outros três professores começam a batucar o samba famoso de Ataulfo Alves na mesa de reunião, trocando o nome de Amélia por Alícia e acrescentando textos mundanos à letra da música. Em coro, soltaram a voz:

- Alícia não tinha a menor vaidade... Por cima!!! Alícia é que era mulher de verdade... Por baixo!!!

Todos, na sala, tomaram um grande susto quando, de um armário grande que estava na sala, saiu o presidente do conselho com tanguinha,  botas vermelhas e peruca loura e gritou, saltitando:

- Eu tenho a força!

A saída do presidente do armário foi como um breque no samba. E todos concordaram, para terminar logo aquela reunião de sábado, em menos de15 minutos, animados por cerveja e música, que o curso de Música é que arrasaria nos resultados do Vestibular. E assim foi decidido.

Por favor, que a galera de Música não fique com raiva de mim. Mas, se houve uma mudança de critério, quem mudou tem que assumir.

O Vestibular desse ano está sendo marcado por uma coleção de fatos que, no mínimo, maculam o processo. A Covest fez a maior lambança colocando nome de candidatos no listão que, de fato, não haviam sido aprovados. Armando alguma tentativa de resposta, o presidente interino se enrola, e tenta enrolar o público, dizendo que o sistema não falha, que a culpa foi dos candidatos, que the book is on the table... Mas não sabe explicar exatamente o que aconteceu. Dá pra ver, nitidamente, que o cara não sabe o que está falando. Ouviu o galo cantar e não sabe onde. Que pena ver uma instituição como a Covest, que era sinônimo de credibilidade, se afundar numa história dessas. Nesta quinta, 24 de fevereiro, a Covest vai entregar ao Ministério Público as suas justificativas documentadas, provando que o erro foi dos alunos e não da instituição. Dizem eles.

E as redações do ENEM? Teve corretor botando a boca no trombone, dizendo que não recebeu instrução, nem treinamento, para fazer o trabalho. Que processo seletivo é esse, afinal? Que educação é essa, afinal?

A educação no Brasil precisa ser revista de forma inteligente. E há umas burrices no processo que não têm justificativa. Por exemplo: muitos alunos, hoje, estudam inglês em cursos específicos de línguas. Isso faz com que esses alunos fiquem muito acima do nível dos colegas na escola regular. Enquanto o que faz o curso específico, intercâmbio, proficiência pelas Universidades de Michigan e Cambridge comunica-se perfeitamente na língua estrangeira, os outros estão cumprindo um ritual de perda de tempo, já que não se aprende uma língua estrangeira em turmas de 60, 70 alunos. Essa situação aconteceu comigo quando fui aluno, aconteceu comigo quando fui professor e acontece agora com os meus filhos. Colocar esse menino para ler qualquer coisa na biblioteca será uma atitude mais inteligente do que deixá-lo numa sala ouvindo coisas como "o plural de mouse é mice" ou o indefectível “the book is on the table”. É preciso ter um saquinho com uma imensa capacidade de armazenagem. Será que os burocratas não veem isso? É muita inércia! Eita! Usei Física, usei Física! Usei Físicaaaaaaa!!!!!

As coisas vão sendo empurradas com a barriga dos que ditam as regras da educação. Para eles, tá bom assim, tá tudo bem assim. Continuam Armando, continuam cantando: Alícia não tinha a menor vaidade… Vamos ver, no próximo ano, qual o curso que eles vão escolher para ter a melhor classificação no Vestibular das Federais. Afinal, são eles que gritam:

- Eu tenho a forçaaaaaa!!!! Uau!


É bom a gente sempre saber os nomes dos que estão à frente das Universidades, Conselhos de Educação, Comissões de Vestibulares e legisladores para que eles sejam responsabilizados pelo mal que causam à educação do país.

MEC
Ministro: Fernando Haddad

COVEST
Presidente: Lícia de Souza Leão Maia 

Presidente Interino: 
Armando José Pessoa Cavalcanti

CONSELHO ESTADUAL DE EDUCAÇÃO PERNAMBUCO
Presidente: Fernando Antônio Gonçalves 
Vice-Presidente: José Amaro Barbosa da Silva 


Conselho Nacional de Educação:
Presidente: Antônio Carlos Caruso Ronca

Reitor UFPE: Amaro Lins
Reitor UPE: Carlos Fernando de Araújo Calado

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A Culpa é Minha

Apesar de nunca ter sido apaixonado por criança, tenho uma relação muito legal com os meus modelos mirins. Pâmela, Klaus, Maitê e Beatriz Ruivinha, por exemplo, são até mais profissionais do que alguns adultos com quem trabalhei ao longo da vida. Já houve oportunidade de estarem exaustos, após horas de gravação, e se manterem firmes, não abrindo mão de fazerem a cena. Tenho exemplos extremos com Pâmela e Maitê em que as duas superaram o cansaço e fizeram suas cenas de forma brilhante. É um prazer imenso trabalhar com elas, especialmente porque seguem todas as minhas orientações. Isso é tudo que um diretor quer de um ator mirim.

Certo dia, no entanto, precisamos rodar um filme para um resort. Para os modelos, tanto adultos como mirins, uma coisa super divertida. Trabalho pesado mesmo só para a equipe de produção e gravação, embaixo de sol, percorrendo as distâncias descomunais, entre um set e outro, naquele lugar imenso. 
Juliana passeando pelo resort
Já para os modelos, a coisa funcionava assim: a cena deitando na rede, a cena no bar da piscina, a cena do café da manhã, a cena caindo na cama, a cena no kid's club e assim por diante.


Modelos sofrendo à beira da piscina
Apesar do extremo desgaste físico, o meu sofrimento começou mesmo quando eu tive que fazer a primeira cena com a modelo mirim escolhida pela produção e pelo cliente. Produção publicitária atrasada é pleonasmo. O cliente quer tudo sempre para ontem, os detalhes sempre se definem no último momento, o transporte atrasa, algum modelo atrasa... Não sei mesmo como, no fim, a peça sempre fica pronta a tempo. 


Juliana segurando a vela para os modelos
Como estávamos atrasados - naturalmente -, não tivemos tempo de testar a modelo em estúdio. Escolhemos apenas pela foto. Um grande erro. Empatia é uma coisa fundamental entre quem vai atuar e quem vai dirigir. Pois empatia foi uma coisa que não houve entre mim e aquela menina de 6 anos de idade. Aliás, acho que ela foi nessa produção com o objetivo determinado de me sacanear.

Lá estava a menina - que eu fiz questão de esquecer o nome - brincando com Klaus, um dos meus modelos mirins favoritos. A menina ria um riso alto e solto. Aí cheguei junto dela para fazer aquele ritual de aproximação e conquistar a confiança da menina. Ao me ver, ela ficou séria. Quando eu falei com ela, ela ficou abusada. Quando eu pedi pra gente gravar a primeira cena, ela esboçou um choro.

- Ai, meu saquinho!

Fui tentando usar a psicologia que acumulei nos anos e anos de direção.

- Sorria, meu amorzinho. Sorria aqui pra lente! Sorria pra o tio.
Sorria para a #*¥x%#

Nada! Ela realmente queria me sacanear. E eu digo isso porque, assim que eu parava de olhar pra ela, aquela doçura de criança começava a rir incontrolavelmente. Aí eu apontava a câmera e ela ficava séria. E foi assim ao longo do dia. Mas você sabe de quem é a culpa de uma situação assim? A culpa, em primeiro lugar, é da mãe. A mãe sempre projeta na filha o que ela gostaria de ter sido. E, se a filha tiver olhos claros, aí é que projeta mesmo. A mãe vai fazer tudo pra colocar a danada da menina na TV. Mesmo que a menina não queira. Como essa não queria. Mas a culpa definitiva é minha. É minha, exclusivamente minha. Eu não poderia deixar de exigir um teste de estúdio como fazemos em quase todas as situações.


A equipe tentando me acalmar
O ápice do meu relacionamento com essa menininha foi no salão de jogos em que eu implorei um sorriso dessa, dessa...dessa... menina e ela não deu. Fui para trás de uma parede onde ninguém pudesse me ver e me inflingi o castigo de chutar a parede com força, esmurrar a parede, travar os dentes. Tive que fazer isso com a parede porque do contrário...


Ricardo Jacaré, diretor de fotografia, e Adriana, mãe de Klaus.
O diretor de fotografia desse filme era Ricardo Jacaré. Ao chamá-lo para decidirmos o que fazer para gravar a menina sorrindo, o apelido dele me fez lembrar dos documentários do National Geographic, daquelas imagens tão naturais dos animais produzidas pelo canal.

Jacaré - NatGeo - NatGeo - Jacaré... 

Foi uma inspiração. Pedi a Jacaré para esconder a câmera bem longe, atrás de umas árvores, camuflá-la e usar a maior teleobjetiva que tivéssemos. Saí de cena para a menina achar que eu tinha ido embora. Afinal, ela havia me rejeitado como diretor. E aí ela se desmanchou em risos. Ria do palhaço, ria da mãe, ria para a produtora, ria para o maquiador. Ria até da própria sombra. Ria, ria, ria e ria. E foi só assim, usando a técnica do NatGeo, Discovery e BBC ao filmarem os animaizinhos da natureza, que eu consegui captar a graciosidade daquela, daquela...daquela... menina que tirou um dia da vida dela exclusivamente para me sacanear. Bem que minha mãe queria que eu tivesse estudado para conseguir passar no exame do Instituto Rio Branco e ser diplomata do Itamaraty. Mas, aí, eu resolvi ser publicitário. Bem feito!

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2011

A Produção Inteira Esperando por Ela


Uma das minhas maiores alegrias profissionais foi ter conquistado a conta da Globo Nordeste. A Globo é sinônimo de excelência e permite que os profissionais de criação exerçam a capacidade de sonhar e materializar esses sonhos em peças. Isso termina por torná-la um cliente para quem a gente tem um imenso prazer de criar e produzir.

Para marcar os 35 anos da Globo Nordeste, recebemos uma determinação de Celso Coli, diretor regional da emissora. Além de criar a campanha, teríamos que criar o slogan que passaria a assinar junto com a marca. A Globo Nordeste foi a primeira das emissoras Globo a ter um slogan regional: Rede Globo Nordeste - Pernambuco no Coração. E tínhamos também que chegar a uma solução para o filme. Gravamos por vários dias. Numa determinada tarde, eu tinha duas cenas bem específicas para produzir. Uma era um close de várias pessoas para a assinatura, e a outra, um contraluz de uma mulher numa região de mangue. Terminei a cena com as pessoas, a luz do sol indo embora e nada da modelo que ia gravar a cena no mangue. Eu já estava começando a pegar pesado com a produção quando vejo a mulher vindo em direção à equipe. Uma morena alta, de 1,82m, super produzida e, como eu estava correndo contra o tempo, já fui acelerando com o pessoal para podermos aproveitar o restante da luz do dia. 

- Vamos lá, vamos lá! Retoca a maquiagem dela, traz ela para a
locação. Vamos lá, pessoal! A luz tá caindo! A modelo atrasoooooouuuuuu!!!!!

A morena de 1,82 estava totalmente constrangida, sabendo que aquela neurose no set era por conta do atraso dela. Normalmente, eu interajo bastante com quem está trabalhando comigo em frente às câmeras. Não sou adepto da linha dura com a qual alguns diretores conduzem as suas gravações. Consigo deixar as pessoas à vontade. Mas eu estava bem chateado com o atraso da modelo e nem dirigi a palavra a ela. Detesto atraso. Não quis nem saber o nome da figura.

- Vamos lá, minha filha! Desça naquele barranco, suba na árvore.
Concentra! Fique de lado! Ação! Olha pra cima! Presta atenção! Mais uma vez, mais outra! 

E o sol caindo. A morena fazia tudo que eu mandava, não reclamava de nada, não dava uma palavra. Tentava se equilibrar na árvore extremamente desconfortável.

Finalmente, conseguimos a cena como eu queria. Aí, mais calmo, fui falar com a modelo, até um pouco arrependido de ter dirigido a cena tão mal humorado.

- Desculpa, mas eu estava muito tenso e não falei com você. De
qualquer forma, a cena ficou boa. 

E aí, comecei um sermão.

- De uma próxima vez, tente não se atrasar para a produção. Tem muita coisa envolvida. Muitos profissionais. Tem o pessoal da técnica, maquiador, produtoras, eletricista, diretor de fotografia, o diretor... Então, não é justo que toda essa equipe fique esperando pela sua graça. Concorda comigo?

A morena grande olhou pra mim perplexa e falou:

- Desculpa... 

E foi justamente aí, quando eu achava que a modelo ia entrar com o texto de explicação pelo seu atraso, que ela contou a sua verdadeira história.

- Acho que você está fazendo uma grande confusão. Eu não sou modelo. Nunca fui. Na verdade, eu vim aqui fazer uma entrevista de estágio.

A modelo de verdade faltou à gravação. Juliana, a morena alta, tinha sido indicada por minha grande amiga Tanúzia Vieira, professora do Curso de Publicidade e Propaganda da UFPE, para um estágio na Mercado. E como ela queria muito a vaga, nem pensou duas vezes em seguir as ordens da produção, mesmo detestando ficar na frente de uma câmera. O que não se faz por um estágio?

Juliana em contraluz. Onde?
Só de sacanagem, pau da vida com o atraso da "modelo", eu fiz todos os takes em contraluz absoluto. Assim, as imagens de Juliana se confundem com os galhos da árvore e mal conseguimos perceber que existe alguém na cena. Vingança de diretor com modelo que se atrasa para a produção. Juliana não merecia isso, e sim a modelo irresponsável que faltou ao trabalho.

Julina Albuquerque conseguiu o estágio na área de produção da agência. Depois de um tempo, foi fazer 6 meses do seu curso na Espanha. Voltou, formou-se, e hoje é minha produtora super competente. Jamais voltou a posar de modelo. Ainda bem.

Para ver o VT: