quarta-feira, 9 de fevereiro de 2011

A Culpa é Minha

Apesar de nunca ter sido apaixonado por criança, tenho uma relação muito legal com os meus modelos mirins. Pâmela, Klaus, Maitê e Beatriz Ruivinha, por exemplo, são até mais profissionais do que alguns adultos com quem trabalhei ao longo da vida. Já houve oportunidade de estarem exaustos, após horas de gravação, e se manterem firmes, não abrindo mão de fazerem a cena. Tenho exemplos extremos com Pâmela e Maitê em que as duas superaram o cansaço e fizeram suas cenas de forma brilhante. É um prazer imenso trabalhar com elas, especialmente porque seguem todas as minhas orientações. Isso é tudo que um diretor quer de um ator mirim.

Certo dia, no entanto, precisamos rodar um filme para um resort. Para os modelos, tanto adultos como mirins, uma coisa super divertida. Trabalho pesado mesmo só para a equipe de produção e gravação, embaixo de sol, percorrendo as distâncias descomunais, entre um set e outro, naquele lugar imenso. 
Juliana passeando pelo resort
Já para os modelos, a coisa funcionava assim: a cena deitando na rede, a cena no bar da piscina, a cena do café da manhã, a cena caindo na cama, a cena no kid's club e assim por diante.


Modelos sofrendo à beira da piscina
Apesar do extremo desgaste físico, o meu sofrimento começou mesmo quando eu tive que fazer a primeira cena com a modelo mirim escolhida pela produção e pelo cliente. Produção publicitária atrasada é pleonasmo. O cliente quer tudo sempre para ontem, os detalhes sempre se definem no último momento, o transporte atrasa, algum modelo atrasa... Não sei mesmo como, no fim, a peça sempre fica pronta a tempo. 


Juliana segurando a vela para os modelos
Como estávamos atrasados - naturalmente -, não tivemos tempo de testar a modelo em estúdio. Escolhemos apenas pela foto. Um grande erro. Empatia é uma coisa fundamental entre quem vai atuar e quem vai dirigir. Pois empatia foi uma coisa que não houve entre mim e aquela menina de 6 anos de idade. Aliás, acho que ela foi nessa produção com o objetivo determinado de me sacanear.

Lá estava a menina - que eu fiz questão de esquecer o nome - brincando com Klaus, um dos meus modelos mirins favoritos. A menina ria um riso alto e solto. Aí cheguei junto dela para fazer aquele ritual de aproximação e conquistar a confiança da menina. Ao me ver, ela ficou séria. Quando eu falei com ela, ela ficou abusada. Quando eu pedi pra gente gravar a primeira cena, ela esboçou um choro.

- Ai, meu saquinho!

Fui tentando usar a psicologia que acumulei nos anos e anos de direção.

- Sorria, meu amorzinho. Sorria aqui pra lente! Sorria pra o tio.
Sorria para a #*¥x%#

Nada! Ela realmente queria me sacanear. E eu digo isso porque, assim que eu parava de olhar pra ela, aquela doçura de criança começava a rir incontrolavelmente. Aí eu apontava a câmera e ela ficava séria. E foi assim ao longo do dia. Mas você sabe de quem é a culpa de uma situação assim? A culpa, em primeiro lugar, é da mãe. A mãe sempre projeta na filha o que ela gostaria de ter sido. E, se a filha tiver olhos claros, aí é que projeta mesmo. A mãe vai fazer tudo pra colocar a danada da menina na TV. Mesmo que a menina não queira. Como essa não queria. Mas a culpa definitiva é minha. É minha, exclusivamente minha. Eu não poderia deixar de exigir um teste de estúdio como fazemos em quase todas as situações.


A equipe tentando me acalmar
O ápice do meu relacionamento com essa menininha foi no salão de jogos em que eu implorei um sorriso dessa, dessa...dessa... menina e ela não deu. Fui para trás de uma parede onde ninguém pudesse me ver e me inflingi o castigo de chutar a parede com força, esmurrar a parede, travar os dentes. Tive que fazer isso com a parede porque do contrário...


Ricardo Jacaré, diretor de fotografia, e Adriana, mãe de Klaus.
O diretor de fotografia desse filme era Ricardo Jacaré. Ao chamá-lo para decidirmos o que fazer para gravar a menina sorrindo, o apelido dele me fez lembrar dos documentários do National Geographic, daquelas imagens tão naturais dos animais produzidas pelo canal.

Jacaré - NatGeo - NatGeo - Jacaré... 

Foi uma inspiração. Pedi a Jacaré para esconder a câmera bem longe, atrás de umas árvores, camuflá-la e usar a maior teleobjetiva que tivéssemos. Saí de cena para a menina achar que eu tinha ido embora. Afinal, ela havia me rejeitado como diretor. E aí ela se desmanchou em risos. Ria do palhaço, ria da mãe, ria para a produtora, ria para o maquiador. Ria até da própria sombra. Ria, ria, ria e ria. E foi só assim, usando a técnica do NatGeo, Discovery e BBC ao filmarem os animaizinhos da natureza, que eu consegui captar a graciosidade daquela, daquela...daquela... menina que tirou um dia da vida dela exclusivamente para me sacanear. Bem que minha mãe queria que eu tivesse estudado para conseguir passar no exame do Instituto Rio Branco e ser diplomata do Itamaraty. Mas, aí, eu resolvi ser publicitário. Bem feito!

5 comentários:

  1. As suas histórias supreendem, que menina capetinha..rs

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Sei não.. tô com pena é da pobrezinha da menininha. Tem certeza que vc não beslicou a coitadinha? Fala a verdade vai...

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  4. De jeito nenhum, Rejane. Para todos os efeitos, eu adoro criança.

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  5. Hahahahahah. A técnica de filmar os "animaizinhos" da natureza foi foda!

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