quinta-feira, 14 de abril de 2011

O Sósia

Em toda campanha política, existe uma rivalidade muito grande entre as equipes que preparam os programas para a TV. Os programas são decisivos na escolha do voto pelo eleitor.

Em 2004, eu estava em Petrolina, PE, dirigindo os programas eleitorais do prefeito, candidato à reeleição, Fernando Bezerra Coelho. Fernando tinha sido prefeito de Petrolina de 92 a 95, depois se elegeu em 2000 e, tendo passado quatro anos, era mais uma vez candidato. O período de 2000 a 2003 havia sido difícil. A crise mundial tinha afetado o Brasil, reduzido a capacidade de investimento de estados e municípios e atingido as pessoas em cheio nos bolsos. Era natural que houvesse uma insatisfação. James Carville, estrategista da vitória de Bill Clinton sobre George Bush Pai, em 1992, decifrou o enigma ao criar o slogan de campanha “It’s the economy, stupid!” Ou seja, se a economia está bem, todo mundo está feliz. Não era essa a situação naquela campanha para prefeito de Petrolina.

O opositor de Fernando Bezerra era o deputado Gonzaga Patriota. Pelas pesquisas, o deputado já estava eleito porque a diferença era muito grande. Essa era a leitura da equipe do lado de lá. Por conta disso, a gente passou a campanha praticamente inteira ouvindo gozação da equipe que fazia os programas para o adversário. Quando encontrava o nosso pessoal, tinha sempre uma gracinha na ponta da língua:

- E aí? Como é trabalhar sabendo que vai perder?
- O ambiente lá ta muito triste?
- Vocês querem ajudar a gente na festa da vitória?

E assim foi durante quase os três meses de batalha. Até que o trabalho que a gente desenvolveu, mais o desempenho de Fernando, mais a incompetência do lado de lá, tudo isso foi se traduzindo numa mudança dos números. Todos os dias Fernando Bezerra Coelho crescia e Gonzaga Patriota perdia votos. Cada estratégia que acertávamos fazia ele perder votos em uma determinada faixa de eleitores. Se ele estava forte entre os jovens, criávamos peças e estabelecíamos estratégias de mídia que impactassem os jovens. E batíamos. Aliás, essa coisa de que em campanha política não se bate no adversário é lenda. O eleitor não quer saber de bate-boca gratuito, mas se há uma denúncia, se há uma acusação séria, devidamente documentada, não tem essa de que não se bate. Bate mesmo. As campanhas políticas americanas, funcionando numa democracia que vem desde 1776, têm inúmeros exemplos de peças batendo no adversário. Você pode assistir a comerciais de campanhas políticas presidenciais americanas no link www.livingroomcandidate.org

Mas, voltando a Petrolina... À medida que o candidato do lado de lá caía cada vez mais, sintomaticamente as gozações com a nossa equipe diminuíam. O terror da derrota começava a tomar o lugar da euforia precipitada. Até porque não dá pra saber com absoluta certeza, com três meses de antecedência, como o eleitor vai se comportar. Desculpem a maldade, mas era delicioso sentir o desespero do lado de lá. Em Petrolina, campanha política é como guerra de torcidas, com a diferença de que é tudo na paz. Muita gozação de parte a parte. Uma festa para a militância. O último debate é como final de jogo do Brasil em Copa do Mundo: alcança 90 pontos no IBOPE. Todo mundo fica em frente à TV para assistir. Inegavelmente, uma bela festa proporcionada pela democracia. 

Faltando uma semana para o último programa, tínhamos pesquisas seguras de que havíamos virado o jogo. Era hora de criar uma peça para atrair os indecisos que só precisavam de um tiquinho de força para vir para o nosso lado e definir de vez a nossa vitória. Estou eu na ilha de edição, quando entra Kleiton Barbosa, meu fiel produtor em todas as campanhas, para me dizer que o deputado Gonzaga Patriota estava esperando na recepção, querendo falar comigo. 

- É o quê, rapaz?!!!!

Desci para ver o que ele queria. Tomei um susto. Lá estava o deputado, paletó, gravata e a sua barba. Fiquei tentando imaginar o que o cara podia querer comigo. Será que ele ia pedir para eu aliviar? Tomar satisfações? Fazer um acordo? Cheguei bem perto, me dirigi a ele.

- Boa tarde, deputado. Posso ajudar em alguma coisa?

Foi só então que eu percebi que o cara era um sósia do deputado Gonzaga Patriota. Nem irmão gêmeo era tão parecido. A militância descobriu esse cara, meteu um terno nele e o levou ao comitê central de campanha onde produzíamos os programas. 

O sósia segurando o coração e o deputado Gonzaga Patriota 

Estávamos trabalhando naquela peça de trazer os indecisos para o nosso lado. Eu tinha resolvido fazer um sambão "Vem pro lado de cá". A ideia era pegar figuras bem conhecidas da cidade, eleitores dos nossos adversários, e colocá-los na frente da câmera fazendo o gesto de chamar o telespectador para o lado de cá. E aí, leitor, desculpe a maldade mais uma vez: resolvi usar o sósia com um coraçãozinho na mão onde tinha o número 23 de Fernando. Um segundo de gozação como vingança pelos três meses que os caras escracharam com a gente. Nada político, apenas uma brincadeira com os profissionais da equipe do lado de lá. Puro prazer. Pura diversão.

Moral da história: antes de tirar sarro da cara do seu adversário, tenha a certeza de que ele está morto. Caso contrário, ele pode se levantar e matar você... De vergonha!

O clip foi produzido sete anos atrás. Quem já viu, vale relembrar.











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