quinta-feira, 17 de março de 2011

Ficção ou Realidade?

Quando você assiste a um comercial de 30” na televisão, no cinema ou na internet, não tem a menor ideia do trabalho que deu para aquilo ficar pronto. E, normalmente, se o comercial é bom, ao final, você normalmente pensa: “Já acabou? Assim, tão rapidinho?”.  Por mais sexual que pareça, é exatamente essa a sensação – para quem assiste. Para quem dirige o comercial, geralmente é um trabalho que mistura muito prazer e muita dor.  Uma coisa meio sado-masoquista, com ingredientes de surpresa a cada cena.  Reverência a Freud, neste início de texto, tão cheio de expressões inconscientes.

Não é raro um comercial de 30 segundos demorar séculos para ser gravado, isso sem contar as inúmeras horas de pós-produção na ilha de edição. Por isso, quem não é da nossa área fica de saco cheio rapidinho se tiver de acompanhar uma gravação e sempre arranja um jeito de sair de fininho. Assim, quando alguém diz que vai acompanhar uma gravação minha, e se eu não estiver querendo que ela fique, eu começo a repetir a mesma cena, deixo o andamento bem devagar, faço tudo de forma muito enfadonha. Não demora muito e o intruso despista e vai embora. Mas, normalmente, a cena é mesmo repetida até ficar perfeita. Na edição, então, normalmente bate o maior sono em quem não está envolvido no trabalho, por conta da temperatura super agradável e do ambiente de meia-luz. Não, isso não tem nada a ver com Freud. A meia-luz é apenas para evitar interferência no julgamento do padrão de cores das imagens no monitor.

No início de 2010, meu grande amigo Arísio Coutinho, diretor de programação da Globo Nordeste, me apresentou um projeto muito especial. Arísio é um carioca apaixonado por Pernambuco. Ele me mostrou uma música cantada por vários artistas pernambucanos. Uma coisa muito emocionante mesmo.

O tempo do intervalo comercial na TV é dividido em frações de 15 segundos. Assim, você normalmente assiste a filmes de 15”, ou 30”, ou 45”, ou 60”. Este era ainda maior: um minuto e meio - 90”. Mas, de cara, senti a beleza da música e como ela podia resultar num filme bonito. Uma linda homenagem a Pernambuco, cantada por artistas pernambucanos. Tinha Alceu Valença, Lenine, Dominguinhos, o Rei -  Reginaldo Rossi, Antônio Nóbrega, André Rio, Cristina Amaral, Zé Brown e mais uma pá de gente.

Toda gravação começa, primeiramente, com a visão de quem vai dirigir. Então, eu normalmente começo a trabalhar olhando para o teto, fecho os olhos, baixo a cabeça na mesa, deito no sofá. Quem entra em minha sala, e me pega no meio de um processo desses, tem a certeza de que eu estou na maior preguiça, vadiando no trabalho. Mas eu juro que o processo, para mim, funciona exatamente assim. Quando eu começo a ter as visões – opa, isso parece coisa de filme de terror –, é chegada a hora de colocar tudo no que chamamos de storyboard, para que toda a equipe compartilhe a minha visão. E aí a gente tenta planejar cada cena bem direitinho. E lá vou eu com o meu planejamento:

O storyboard dá uma ideia geral para a equipe do que vamos realizar.

- Vamos começar a gravação na segunda-feira, às 6 da manhã porque a luz do sol é melhor nessa hora, porque a gente consegue fazer mais outras cenas ao longo do dia, etc e tal.”

Mas, aí, surge o primeiro problema para derrubar todo o planejamento: qual artista acorda às 6h da manhã? Nenhum. Então, o sol subiu, está lá em cima, a pino... Tem que usar um butterfly, que mais parece um mosquiteiro; um HMI, que é uma luz bem forte para usar como se fosse o sol, durante o dia. E foi desse jeito, com a ajuda de equipamento, que o primeiro problema foi resolvido. Em seguida, a gente entraria num consenso com os artistas porque, afinal de contas, o filme não poderia ter apenas cenas noturnas.

Butterfly é essa estrutura para evitar o sol a pino.

Quando crio, eu vou tentando fazer a coisa de forma a ter uma margem boa para rodar o máximo de cenas ao longo de um dia. Assim, pensei imagens para o dia e para a noite, mas elas tinham que se encaixar perfeitamente no andamento da música. 
Na casa de Alceu, em Olinda.
Gravei Alceu, em Olinda; Lenine, na praça de Casa Forte; Reginaldo Rossi, na praia de Boa Viagem; Antônio Nóbrega, no Teatro Valdemar de Oliveira.

Nando Cordel gravando a sua participação numa das versões do clip. HMI é a luz que está em quadro.

A frase musical de Dominguinhos era assim:

- O melhor São João do mundo, isso eu posso afirmar...

Só isso. Imaginei Dominguinhos no meio de um pessoal dançando quadrilha, num arraial todo enfeitado, com balões, bandeirinhas e fogueira. Primeiro problema: a gente estava em março. Como conseguir tantos elementos juninos? Mas isso a produção resolve. A produção sempre resolve tudo.

O lugar para fazermos o arraial foi escolhido. Bandeirinhas, balões, fogueira, milho, o pessoal da quadrilha junina. Perfeito. E aí eu chego para a minha produção e pergunto:

- E então, pessoal, quando vamos gravar Dominguinhos?

Nesse momento, as pessoas se entreolham e Katherine, que estava coordenando os artistas, diz pra mim, cheia de tristeza nos olhos.

- Dominguinhos disse que não vem, Ivanildo.  Falei como era importante ele gravar, ele agradeceu muito, disse que estava em tratamento de saúde e que não podia vir.

Desesperado, pensei numa solução.

- Kacá, a gente coloca ele num avião de manhã, ele grava rapidinho e volta no mesmo dia para São Paulo. Fala pra ele, fala!

O problema é que Dominguinhos não entra em avião nem amarrado. Ele percorre o Brasil todinho de carro. E, agora, o que a gente faz? Leva a produção toda pra São Paulo? Não tem verba pra isso. Tira Dominguinhos do roteiro? Não pode. O cara é um artista maravilhoso, discípulo de Luiz Gonzaga. Mas tinha que ter medo de avião e, ainda por cima, estar em São Paulo?!! Eu tinha que ter pensado nele no meio de um arraial?!!! Eu tinha que ser publicitário? !!!!!!!!!

Mas, então, a salvação... É nessas horas que eu me apaixono pela tecnologia. Hoje, a gente consegue fazer coisas que a ILM, Industrial Light and Magic, de George Lucas, fazia 20 anos atrás. Desde que a gente tenha muito cuidado, muito planejamento e, naturalmente, gente muito competente trabalhando na equipe. E, assim, decidi. Já que a montanha não vai a Maomé, Maomé vai à montanha. Kacá iria com o nosso diretor de fotografia, Santana, gravar Dominguinhos nos estúdios da Globo, em São Paulo. Antes, gravaríamos a quadrilha no arraial, e depois, na pós-produção, transformaríamos as duas cenas numa só. E, pronto! Dominguinhos cantando no arraial. O nome desse processo é chroma key.  No passado, a diferença entre as cenas ficava muito evidente. Hoje, a tecnologia digital permite um recorte perfeito, uma montagem imperceptível.

No dia da gravação do arraial, chovia a cântaros (eita que essa expressão é velha mesmo!). Era, praticamente, um dilúvio. Mexe daqui, ajeita dali, termina o arraial, viaja pra São Paulo, grava com Dominguinhos... Na cena final, depois da pós-produção, ninguém percebe que o artista e os figurantes estavam em locais totalmente diferentes.
Cena final do filme gravada no Parque 13 de Maio.

É só então que você se dá conta de que as coisas em televisão ficam grandes mesmo. Uma quadrilha junina com 40 participantes, equipe técnica com 15 pessoas, gravação em Recife, gravação em São Paulo, equipamentos, luzes, maquiagem, produção...Tudo isso para uma cena de 5 segundos. Hoje, quando assisto ao filme, fico em dúvida se tudo isso realmente aconteceu. Será que Dominguinhos não gravou aqui mesmo em Recife e eu inventei essa história toda? Ficção ou realidade?


Se você tiver dificuldade em rodar o vídeo, pode acessar também no link abaixo:
http://www.youtube.com/watch?v=jJb_6ENValk



2 comentários:

  1. Que aula foi dada agora Ivanildo. A mim, aspirante de Direção, deixou um entusiasmo a mais.

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  2. Realmente, que aula! Como ator, vendo vocês, criadores e diretores em ação, me dá uma dó! kkkkkkkkkk. Vocês deveriam ser canonizados em vida!!!!

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