quinta-feira, 3 de março de 2011

Apenas uma Fatalidade


Em algum momento das nossas vidas, já nos deparamos com algumas coisinhas muito irritantes. Essas pequenas coisinhas irritantes são, normalmente, crianças que têm os pais totalmente sob o seu controle. Isso... São as crianças que mandam nos pais e não, como manda o bom senso, exatamente o contrário. Elas exercem um tipo de ditadura do terror sobre os seus genitores que me deixa perplexo.

Se eu tenho certeza que você já passou por essa situação uma ou duas vezes, é de impressionar como eu atraio essas criancinhas.

Um desses acontecimentos foi numa loja de presentes em que eu já estava no caixa, pagando ao próprio dono. Chega a mulher desse senhor, com uma criança aos berros... E, por favor, entenda quando eu falo “aos berros”. Ela gritava muito, muito alto. O que ela gritava era um verbo no presente do indicativo, 1ª pessoa do singular, acompanhado do pronome pessoal, com ênfase na primeira sílaba do verbo, estendendo essa sílaba por, pelo menos, três longos  segundos, o que, traduzido graficamente, é exatamente assim:

Eu queeeeeeeeeeeeroooo!

A afirmação era seguida por um choro histérico que durava mais 4 ou 5 segundos. Então, a sequência completa acontecia deste jeito:

Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááááá! Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááá! Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááááááááá!

A mãe explica para o pai do menino, com uma cara apalermada (nesse caso, a cara apalermada pertence aos dois), que ela e a criança tinham passado por uma loja de brinquedos e que o menino tinha visto - veja bem você – um navio na vitrine. E o menino não parava:

Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááááá! Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááá! Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááááááááá!

Esperando que o pai passasse o meu cartão, tive que assistir àquela cena deprimente. Foi então que me inspirei na série Guerra nas Estrelas, assumi o olhar de Darth Vader e encarei o menino bem no fundo dos seus olhos. Assim que o seu olhar cruzou com o meu, ele cortou a trilha irritante do choro. Olhou assustado para mim. Calou-se. Infelizmente, por alguns poucos segundos. Apenas por poucos segundos. Voltou o olhar para mãe e recomeçou:

Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááááá! Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááá! Eu queeeeeeeeeeeeroooo! Buáááááááááááááááááááááá!

Vi que Darth Vader funcionou, mas que eu não tinha a força mental para fazer o peste do menino calar a boca por mais tempo. Acho que, nessas horas, não existe força mental que dê jeito. Talvez, pais que não sejam apalermados ou, quem sabe, um acidente. E foi aí, então, que me lembrei de um outro acontecido com uma criança do mesmo grupo.  Refiro-me a “Grupo de Comportamento” que pode ser chamado, também, de “Transtorno de Alguma Coisa”.

Estava em um voo de Recife para o Rio. E, quando viajo de avião, penso logo em tirar o atraso do sono que me acompanha sempre. Durmo como se tivesse tomado calmante. Só que nesse voo havia uma criança do grupo a que me referi. Tão logo o comandante desligou a luz de atar cintos, os pais soltaram a sua ferinha em pleno corredor do avião. Confesso que nunca torci tanto para uma turbulência daquelas, bem assustadora.


O menino começou a correr pouco antes de chegarmos a Alagoas. Ele ia da primeira à última fileira e voltava. E, naturalmente, passava esbarrando nas pessoas que, como eu, ocupavam a poltrona do corredor.

Entramos na Bahia e o danado do menino correndo. Vai ter resistência assim no inferno! Eu sem conseguir pregar um olho. Lá vinha ele e tome a esbarrar nos passageiros. Não me contive mais. Fui até a chefe de cabine e perguntei:

Se eu não posso passar pela segurança com uma inofensiva garrafa de água mineral, como é que deixam alguém entrar com aquilo no avião?

E, constrangida, a chefe de cabine me diz que já falou com os pais, mas que, infelizmente, eles não tomaram nenhuma atitude. Aí, eu me referi à segurança de voo, que o próprio menino podia cair e se ferir, que podíamos atravessar uma turbulência rápida, que a norma é viajar com o cinto afivelado, mas a tripulação se mostrou impotente. Nesse ponto, já estávamos percorrendo ora o estado do Espírito Santo, ora o de Minas Gerais. Voltei para a minha poltrona, e foi então que a sabedoria da fatalidade pôde ser apreciada em toda sua beleza. Fatalidade é quando uma série de microssituações acontecem levando a um desfecho trágico para alguns, aliviador para outros. Quem já assistiu a um filme chamado “Premonição”? Não é de bom gosto, mas ajuda a entender a situação.



Na hora em que sentei de volta em meu lugar, o meu celular caiu embaixo da poltrona do meio. Automaticamente, comecei a me baixar para apanhá-lo. A partir daí, senti os momentos seguintes em ultra-hiper-super-câmera-lenta. À medida que eu fui me baixando, a minha perna esquerda foi entrando no corredor...  Eu estava na poltrona 7D (vejam no mapa de assentos). O menino vinha correndo do fundo da aeronave. Agora eu conseguia ouvir os passos do menino e era como se houvesse um intervalo de 5 segundos entre um passo e outro, a batida do seu pé no piso da aeronave produzia um som que também se estendia indefinidamente – a câmera lenta. No momento em que eu involuntariamente estendi a minha perna para o corredor, na tentativa de alcançar o meu celular, o menino estava voltando nas imediações da fileira 8. Percebi que ele estava ali pertinho, mas, infelizmente, não tive tempo de recolher a minha perna – a câmera lenta outra vez. O menino tropeça na minha panturrilha e voa, pousando como uma pedra na altura da fila 4. Ele levanta, completamente desconfiado, consciente – sim, eles têm consciência – de que havia recebido o castigo natural da fatalidade. Só então, já perto de entrarmos no estado do Rio de Janeiro, ele volta para a sua poltrona, e fica sentado junto aos pais, imóvel, durante todo o tempo restante de voo.

Quando, aliviado pelo pobre menino não ter sofrido nada, e sossegado por ele não estar mais correndo, me preparo para um pequeno cochilo no tempinho que me sobrara. Foi quando a chefe de cabine chega junto à minha poltrona e me dá, de presente, uma caixa de chocolates suíços que ela havia trazido de uma de suas escalas.

Muito obrigada, senhor. Foi maravilhoso o que o senhor fez por todos nós.

Aquela aeromoça realmente achava que eu tinha colocado a minha perna de propósito para o menino cair. Que coisa terrível... Como ela podia pensar aquilo de mim? Logo eu que adoro criança... Tentei, por todos os meios, dizer que não havia feito nada. Mas ela não aceitou os meus argumentos para recusar a caixa de chocolates. Olhei para trás e todos os passageiros, especialmente os que estavam nas poltronas do corredor, me lançaram um olhar de sorriso agradecido. Involuntariamente, fiz o que todos queriam ter feito. Como explicar para eles que tudo aquilo havia sido apenas fatalidade? Apenas uma fatalidade.



9 comentários:

  1. Fatalidade... Doce fatalidade... Viva o acaso! kkkk

    ResponderExcluir
  2. muito bom!
    gostei da atitude da aeromoça, se fosse eu no seu lugar, teria perguntado se na caixa do chocolate tinha o numero do celular dela. rsrrsrrsrrsrrs

    ResponderExcluir
  3. Visualizei cada frame desse conto. Me passa seu endereço que mandarei uma caixa de chocolates suíços também!
    Hauahuahuahuahuahauhuahah....
    Luz pra ti!

    ResponderExcluir
  4. Rapaz, e eu nem esperava solidariedade de tantas pessoas. Acho que todo mundo já viveu algo assim. Valeu, Katriano.

    ResponderExcluir
  5. Uso sempre meu olhar de abestalhado, boquiaberto para os pais... nunca falha...
    eh melhor que o de Darth VAder pode acreditar...

    ResponderExcluir
  6. Titio, involuntário ou não, não importa. O que importa é a paz que reinou a partir de então. Se eu estivesse neste avião, e mesmo que não conhecesse você, com certeza teria me levantado para lhe agradedecer. E, é claro, se tivesse com uma caixa de chocolates na bolsa, seria toda sua. Com os cumprimentos de todos os passageiros. Hehe. bjs

    ResponderExcluir
  7. KKKKKKKK...o melhor seria se além desse menino, os pais dele tb levassem a topada pra ver se acordam e educam o filho!

    ResponderExcluir
  8. Aí a fatalidade seria maior ainda. kkkkkkkkk

    ResponderExcluir
  9. fatalidade? aham. tah certo ivanildo holanda! se fosse eu ainda tinha soltado no ouvidinho do anjo um "machucou, criancinha insuportável?" heheheh

    ResponderExcluir