quinta-feira, 10 de março de 2011

Cadê a parada?


Sempre tive um grande pavor de multidão. Então, imagine o suplício que é, para mim, estar no Galo da Madrugada. Percebi que tinha esse distúrbio da forma menos glamourosa possível. Ainda aos 8 anos de idade, meus pais resolveram me levar para assistir à parada militar do 7 de setembro. Em plena ditadura militar. Um inferno. Gente, muita gente. Um calor de torrar os miolos naquele sol das 11h da manhã. Eu, imprensado por aquela multidão, sufocado pela mistura de suor com perfume que pairava no ar, sem ver nada. Ouvia, sim, clarins tocando, barulho de motores, gritos de ordem...Aquela coisa toda foi tomando conta da minha cabeça, que começou a rodar, tudo em volta começou a escurecer, era como se o dia estivesse virando noite em poucos segundos. Sem sentir mais as pernas, fui caindo, e lembro que meu pai me pegou nos braços e me levou para longe dali. Aos poucos, recobrei a cor e tomei um abuso por militar de qualquer parte do mundo, e não apenas do Brasil, e jamais voltei a assistir a uma parada de 7 de setembro.

O distúrbio voltou a se manifestar muitos anos depois, numa apresentação da Paixão de Cristo, em Nova Jerusalém. Quem já teve a oportunidade de assistir sabe que o espetáculo é magnífico. A história é encenada num teatro ao ar livre, com 12 palcos-plateia, o público se movendo de ato em ato, atores excelentes e efeitos de luz e som impressionantes. Tudo isso faz com que você se sinta na Jerusalém dos tempos de Cristo. É fascinante. O espetáculo é assistido em pé, e a última cena – a da ascensão de Cristo – é a mais emocionante. Todas as cenas têm uma imensa carga dramática, mas a da ascensão, além de ser plasticamente perfeita, é carregada de um simbolismo muito forte. Ilustra bem o sentimento, que muitos têm, de vida após a morte.

Pois foi exatamente nessa cena que me vi rodeado de gente. Muita gente. As pessoas se imprensavam umas contra as outras buscando ficar mais próximas da ação. Comecei a me sentir esmagado por aquele mar de gente. O meu corpo franzino de adolescente começou a se sentir triturado e já não tinha forças para se impor contra o movimento da multidão que, cada vez mais, me comprimia. Senti que o sangue havia sumido de minha cabeça, uma dormência tomou todo o meu corpo. Foi no ápice da cena, quando o Cristo começou a subir em direção ao céu, que eu comecei a descer em direção ao chão. As pessoas que estavam comigo me retiraram do local e me estenderam sobre uma das pedras encravadas no belo cenário do Teatro de Nova Jerusalém.  Comecei a recobrar a consciência. Essas duas passagens aconteceram há muito tempo.

Dias de hoje. O ano, agora, é de 2011. Você já percebeu como quase todos os políticos, especialmente aqueles em cargos executivos, se acham o John Kennedy? Apesar de uma imensa semelhança, nenhum deles se vê como Odorico Paraguaçu, a criação tão real de Dias Gomes. Independentemente da cidade, estado ou país que governem, eles sempre se acham os maiores estadistas do mundo. E foi assim que, estando eu, por dever de ofício, no Galo da Madrugada, vejo irromper, em um dos camarotes, um baixinho caricatural. Ele andava apressado mas, com as perninhas pequenas, não percorria longa distância à medida que se movia. Cabelinho escorrido, repartido ao meio, óculos na ponta do nariz, uma figura cômica! Quase um hobbit, saído diretamente das páginas de J.R.Tolkien. Imaginei, em minha viagem alucinante, que ele estivesse muito aborrecido, já que, nessa época do ano, por tradição, a chave da cidade é entregue ao Rei Momo. O que me apavorou, no entanto, não foi o baixinho caricatural. O que me apavorou, de verdade, foram os “Aspone” que o seguiam. Para quem não sabe, a tradução de “Aspone” é Assessor de Porra Nenhuma. Eles seguiam o baixinho, todos de cara amarrada, exatamente como o chefe. Veio o trauma de infância, achei que era a parada de 7 de setembro em pleno Galo da Madrugada. Uma imagem surrealista. Comecei a contar Aspone por Aspone: 1, 2, 3, 4, 5, 6, 7... O baixinho já estava lá no meio do camarote e ainda tinha Aspone passando pela entrada. 12, 13, 14, 15, 16... A tropa se movia sem dar um sorriso, passos determinados, quase uma marcha. 19, 20, 21, 22...Ai, ai, ai, é a porra da parada mesmo! Três fotógrafos seguravam suas câmeras como se fossem metralhadoras. É a porra da parada! Agora, eu tinha certeza. É a porra da parada, mesmo!!! Comecei a suar frio. Vai começar tudo de novo. Já sinto a dormência no corpo. O dia começa a escurecer sob os meus olhos. Nessa hora, Juliana – a minha produtora, sempre ela – percebendo que estou perdendo a cor, grita o meu nome bem na minha cara. Autoritária, me manda respirar, me dá um copo d’água gelada e me ordena que eu sente. Pergunto pra Juliana, desesperado:

- E a parada, Juliana? Cadê a parada?!

E Juliana, sem entender absolutamente nada, responde daquela forma delicada, tão característica dela.

- Que parada, Ivanildo?! Enlouqueceu?!!! Fumou?!!! Bebeu?!!! Cheirou?!!! Eu não sei de parada nenhuma!

Só para constar, eu não fumo, não bebo, nem cheiro. Para decepção de muita gente que me conhece, sou totalmente careta. Depois dos esporros de Juliana, resigno-me a obedecer às suas ordens e fico tentando percorrer os recantos do meu cérebro para saber se tudo aquilo não havia passado de alucinação ou se, de fato, tinha mesmo acontecido. A resposta à minha dúvida não demora. Depois de alguns minutos sentado, vejo o “John Kennedy Paraguaçu” saindo do camarote, seguido da tropa, seus mais de 25 “Aspone”. Indo embora. Tinha mesmo acontecido. Aliviado por eles estarem partindo, me dirijo à parada imaginária apenas em pensamento:

- Adeus! Adeus! Adeus!

Que pavor eu tenho de multidão. 

6 comentários:

  1. Entendo PERFEITAMENTE seu pavor de multidao e compartilho do mesmo sentimento! hahahaha
    Ainda bem que aqui no Canada (mesmo em Toronto) eh complicado de juntar uma multidao... e quando junta sao tao educadinhos que mal se tocam hahaha
    Beijossss

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  2. Pois é titio, compartilho com você e com Ró este pavor de multidão. jamais gostei de brincar carnaval por isso. Pessoas suadas, empurrando a gente, dando cotovelada. Um saco. Também por essas figuras insuportáveis que só fui duas vezes ao camarote do galo e nunca mais voltei. Aliás, qualquer dia vou escrever sobre minhas experiências nestes eventos.
    Ah1 Compartilho também deste pavor a militar, POr razões diferentes da sua, mas com igual convicção. Beijo

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  3. Pior mesmo que a multidão são os Aspones. Podem acreditar, os Aspones são terríveis.

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  4. que besteiraaaaaaa painhooo! ano que vem te levo pra Olinda! =D

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  5. Titio, quem não gosta de parada não teme aos militares nem a civil!

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