Aos 16 anos, eu ainda não havia sido mordido pelo bicho da publicidade. Estava me preparando para fazer o vestibular no final do ano. Um certo domingo, tive que ir com o meu pai ao Aeroclube de Pernambuco. Ele ia fazer uma viagem e, em vez de sair do Aeroporto dos Guararapes, o avião, um bi-motor Baron Beechcraft, decolaria de lá. Quando cheguei ao Aeroclube, fiquei encantado com os pequenos monomotores de treinamento. Pensei comigo:
- Caramba, deve ser uma experiência fantástica voar numa coisa como aquela.
Foi naquele momento que eu decidi abandonar o meu curso de alemão, depois de seis meses de arranhões na garganta e a tentativa de decorar palavras quilométricas. Eu tinha a justificativa para mim mesmo: eu ia ser piloto de avião. Mas, na verdade, não queria seguir carreira. Queria apenas voar.
Meu pai concordou na hora. Na semana seguinte, eu já estava fazendo o curso teórico, ansioso por aquele que seria o meu primeiro voo. Foi num Fokker T-21. Coloquei o macacão de voo todo orgulhoso, identifiquei o instrutor que ia voar comigo. Ele percorreu cada centímetro do avião, mostrando tudo que eu deveria observar antes de entrar na cabine.
- Caramba, deve ser uma experiência fantástica voar numa coisa como aquela.
Foi naquele momento que eu decidi abandonar o meu curso de alemão, depois de seis meses de arranhões na garganta e a tentativa de decorar palavras quilométricas. Eu tinha a justificativa para mim mesmo: eu ia ser piloto de avião. Mas, na verdade, não queria seguir carreira. Queria apenas voar.
Meu pai concordou na hora. Na semana seguinte, eu já estava fazendo o curso teórico, ansioso por aquele que seria o meu primeiro voo. Foi num Fokker T-21. Coloquei o macacão de voo todo orgulhoso, identifiquei o instrutor que ia voar comigo. Ele percorreu cada centímetro do avião, mostrando tudo que eu deveria observar antes de entrar na cabine.
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O Fokker T-21 |
Finalmente, subimos. O Fokker T-21 tinha uma cabine transparente que era travada em cima. O instrutor ligou o motor. O meu coração batia acelerado. Chegamos à cabeceira da pista, ele deu potência total. A aeronave rasgou a pista do Aeroclube de Pernambuco e, de repente, me vi no ar com o mar do Pina à minha frente. Que bela visão. Iniciamos um voo suave em direção ao norte. Passamos por Olinda, e fizemos a volta. Eu estava me sentindo o próprio Fernão Capelo Gaivota. Quando atingimos, mais ou menos, o Cais José Estelita, aquele instrutor resolveu me fazer desistir do curso. Olhou secamente para mim e, com a cara mais inexpressiva do mundo, falou:
- Vamos fazer um parafuso.
Olhei pra ele apavorado e rebati com a voz engasgada, em pânico.
- Parafuso? Como assim, parafuso? Aqui, no centro da cidade?
As frases seguintes eu não disse pra ele, só pensei comigo.
- Parafuuuusssooo! Kerêêêlhooooo!!!! E se essa merda não sair do parafuso... Ai que saudade do meu curso de alemão. Eu não sou gaivota, porra nenhuma.
Pensei nas asas derretidas de Ícaro. Vi meu corpo estrebuchando no chão.
A sensação do parafuso provocado é bem desagradável. O avião começa a subir até não poder mais. Quando está perto de não poder mais, ele começa a se tremer - acho que de medo, também - e, quando a tremedeira aumenta, o piloto mete o pé no pedal, o avião vira para o lado que ele determinou, e, aí, como se estivesse desmaiando, embica em direção ao solo e girando no próprio eixo. E eu vendo o mundo girar. Nem nas minhas maiores cachaças eu vi o mundo girar tanto. Aí, ele equilibra, para de rodar e, assim, do nada, começa a sair do parafuso. Você sente a pele do seu rosto repuxar para baixo, coração, pulmões e todo o seu aparelho digestivo querendo sair pela boca e os olhos em um estado de arregalamento só possível de descrever com os traços de desenho animado.
A sensação do parafuso provocado é bem desagradável. O avião começa a subir até não poder mais. Quando está perto de não poder mais, ele começa a se tremer - acho que de medo, também - e, quando a tremedeira aumenta, o piloto mete o pé no pedal, o avião vira para o lado que ele determinou, e, aí, como se estivesse desmaiando, embica em direção ao solo e girando no próprio eixo. E eu vendo o mundo girar. Nem nas minhas maiores cachaças eu vi o mundo girar tanto. Aí, ele equilibra, para de rodar e, assim, do nada, começa a sair do parafuso. Você sente a pele do seu rosto repuxar para baixo, coração, pulmões e todo o seu aparelho digestivo querendo sair pela boca e os olhos em um estado de arregalamento só possível de descrever com os traços de desenho animado.
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Essa é a visão que você tem do mundo quando faz um parafuso pela primeira vez. |
Aquele instrutor queria mesmo me sacanear. Mas, aí, eu percebi o que ele queria e resolvi, eu, sacaneá-lo. Comecei a gritar feito louco dentro da cabine:
- Que massa, veio, muito legal, muito legal, faz mais outro, quero mais outro, mais um, por favor mais um, só mais um...
O instrutor, tão seco quanto antes, respondeu:
- Não. A sua hora acabou. Vamos pousar.
Aquele filho da puta me aplicou um dos maiores sustos da minha vida. Mas eu consegui fazer com que ele se decepcionasse também. No entanto, pensando bem, devia ter desistido ali. Tivesse eu sido sábio, teria evitado o pior que ainda estava por acontecer.
Dois meses depois, o Aeroclube partiu em esquadrilha para Caruaru. Foi uma festa. Quando chegamos e descemos dos nossos aviões com aqueles macacões azuis, éramos os próprios Top Guns do Agreste. Pense no sucesso. Foi um fim de semana de festa. Muitas acrobacias feitas pelos ases - loopings, rasantes, parafusos - e eu, ainda estando no início do curso, assistindo a tudo do solo. Mas com o meu macacão azul.
Chegou a hora de voltar. Eu tinha apenas 5 horas completas de voo. O piloto que ia levar o Fokker T-21 de volta para Recife tinha acabado de conquistar o seu brevet. Tinha 45 horas de voo, o que em aviação não significa absolutamente nada. O cara com 45 horas de voo não está preparado para nada. Só que, na volta para Recife, tudo que não podia acontecer, aconteceu. Fomos o primeiro avião a sair de Caruaru com a função de observar se havia teto na Serra das Russas, em outras palavras, se a serra não estava tomada por neblina, o que impediria um voo visual. O pessoal calcularia o tempo e, caso não voltássemos, é porque havíamos passado com tranquilidade. Isso porque o Fokker T-21 nem sequer tinha rádio.
Antes de decolarmos, os outros pilotos fizeram uma brincadeira de mau gosto: colocaram uma coroa de flores em cima da cabine. Benzeram o avião, encenaram choro, um monte de performances para assustar o primeiro voo importante de Paulo Bigode e do aluno inciante que compunha o resto da tripulação. E, agora, você pensou: o nome do cara que ia pilotar o avião era Paulo Bigode? E você conclui: não tinha a menor possibilidade de isso dar certo.
Atravessamos legal a Serra das Russas. Mas, quando passamos de Vitória de Santo Antão, tivemos a visão do juizo final à nossa frente. O céu estava preto. P-R-E-T-O. Eu nunca tinha visto, em toda minha vida, um céu tão preto como aquele. Eu vi Paulo Bigode engolir seco. E foi exatamente aí, nessa ausência de saliva, que ele cometeu a maior merda da vida dele: o cara entrou na porra da nuvem preta. Ele podia fazer tudo, menos entrar naquela nuvem preta. Foi como se a gente tivesse entrado na metade da volta de uma montanha russa. A chuva e o vento abriram a cabine do Fokker. Começaram os trovões, relâmpagos, um balanço a ponto de me jogar por cima da cobertura da cabine. Um desespero. Eu já tinha certeza de que ia morrer. Uma luta durante quase meia hora. Foi então que Paulo Bigode olhou pra mim e, entre os estrondos dos trovões, se dirigiu ao seu "co-piloto" gritando:
- Pula, que eu vou pular!
- Pula, Ivanildo, pula! Pula, que eu vou pular!!!!
- Será que isso é uma estação de passagem?
Foi quando ouvi Paulo Bigode gritando o meu nome, desesperadamente. Aí percebi que estava vivo, que aquilo era uma mata e não estação de passagem. O avião não tinha atingido ninguém na área desabitada em que caiu.
Ainda voltei a voar, mas não cheguei a tirar o brevet. O macacão azul, ensopado no meu corpo por horas e horas embaixo de chuva, me rendeu uma gripe e uma bela de uma sinusite que carrego comigo até hoje. Todo mundo quer viajar ao meu lado, de avião, porque, supersticiosos, dizem que é impossível eu morrer de acidente aéreo depois dessa experiência.
E, aí, quando eu achei que a história acabaria aqui, anteontem, caiu na Mercado, um monomotor que não conseguiu pousar no aeroclube. E, em que parte da Mercado ele caiu exatamente? Na minha sala. Eu tinha saído 10 minutos antes para apanhar o meu filho no colégio, uma situação extremamente rara. Isso reforça a teoria daqueles que querem estar perto de mim quando se trata de acidente de avião.
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A queda e o içamento. Héber, Roberta, Márcio, Val e Juliana esperando para entrar na agência. |
De alguma forma, o acidente dessa semana me lembrou da tragédia na minha adolescência. Revivi de um outro ponto de vista, estando no solo. Depois do susto, todos ficaram bem, inclusive o piloto.
Agora, eu tenho que terminar perguntando a você. Você entra em um avião, o embarque sendo feito em um 737-700 por aquelas aeromoças. Fecham-se as portas. Aí, a chefe da equipe começa a receber os passageiros.
- Eu sou Juracilda Boquinha, chefe da equipe, e quero dar as boas-vindas a todos em nome do Comandante Paulo Bigode e do seu co-piloto Ivanildo.
Com toda sinceridade, o que você faria numa hora dessas?
Agora, eu tenho que terminar perguntando a você. Você entra em um avião, o embarque sendo feito em um 737-700 por aquelas aeromoças. Fecham-se as portas. Aí, a chefe da equipe começa a receber os passageiros.
- Eu sou Juracilda Boquinha, chefe da equipe, e quero dar as boas-vindas a todos em nome do Comandante Paulo Bigode e do seu co-piloto Ivanildo.
Com toda sinceridade, o que você faria numa hora dessas?