sexta-feira, 11 de maio de 2012

Contra a Corrente

Estou com a sensação de que,  de uns anos para cá, tenho me colocado contra a corrente. Assim, no verão, quando forma-se uma horda em direção a Porto de Galinhas, eu pego a estrada para Gravatá. Nos meses de junho e julho, quando uma multidão procura Gravatá, eu quero ir para Porto de Galinhas. Tenho pavor a muita gente, a badalações, a aglomerações unânimes.

Estou chegando de Montevidéu. Por lá, está frio, a temporada em Punta del Este acabou, e suas lojas e restaurantes têm espaço bastante para mim. O Uruguai me impressionou. Enquanto o Brasil é a sexta economia do mundo, o Uruguai é a 92ª. No entanto, tive o sentimento de que tudo funciona bem direitinho.

Rossana Menezes, uma amiga que, diferentemente de Luiza, resolveu viver no Canadá, relatou alguns meses atrás que, ao perder o seu iPhone, foi procurada por quem o achou para devolvê-lo. Pensei: isso é coisa de hemisfério norte. Quebrei a cara: na rodoviária de Punta del Este, comprei uma água mineral e a esqueci na lanchonete. Já acomodado em minha poltrona, vi o gerente da lanchonete subindo de ônibus em ônibus, só descansando quando me encontrou, para entregar a garrafa de água pela qual eu havia pago. Fiquei encantado.

Vi outras coisas no Uruguai que me deixaram com um certo sentimento de inveja: os inúmeros gramados são extremamente bem cuidados, os públicos e privados, independentemente do poder aquisitivo. Mesmo nas residências mais humildes, o jardim é impecável. 

Vi uma viatura policial mandar um motorista tirar o seu carro de cima de uma calçada às 6:30 da manhã de um domingo, no final de uma balada. Mas isso sem achaque. O policial nem desceu de sua viatura. Apenas sinalizou para o motorista infrator. Vi o motorista do meu táxi parar em todos os sinais vermelhos às 3h da manhã. 


Vi vários carros estacionados no gramado de frente para o Rio da Prata com casais que, sem medo, passaram a noite namorando e, no início daquela manhã de domingo, se espreguiçavam tranquilos, cheios de ressaca do amor da madrugada.

Como nada é perfeito, acho que todo mundo em Montevidéu tem cachorro. O que não seria um problema se a população, ao levar os seus fiéis amigos para passear, levassem também saquinhos para recolher os dejetos dos bichinhos. Depois de vários dias, numa verdadeira corrida de obstáculos, me distraí e afundei o meu pé num montevideu de cocô de cachorro. Voltei a me sentir no hemisfério sul. 

Recebi um texto de um sociólogo sobre as maravilhas do Brasil. Um texto superotimista, botando para arrombar nos europeus e dizendo que, por sermos amáveis, afáveis e flexíveis, faríamos uma bela Copa do Mundo. Porque somos o país do futebol e, se o plano A não der certo, temos o plano B e o plano C e tudo ficará bem direitinho. Um texto bonitinho, mas ordinário. Um texto bem ufanista, fazendo com que eu me sentisse no Governo do famigerado Garrastazu Médici. Uma coisa bem ao estilo da propaganda da ditadura naquela época - Brasil: ame-o ou deixe-o. 

Tudo bem se eu for rotulado de xenófilo. Assumo a minha xenofilia e confesso que adoro quando estou na rua e não preciso me preocupar se vão roubar uma droga de um celular; adoro ver que é possível parar no sinal vermelho às 3 da manhã, pelo simples prazer de cumprir a lei; adoro andar sem medo, mesmo que seja à noite; adoro não ter que me preocupar se vão furar a fila... Mas o feriadão acabou e é hora de voltar pra casa. No aeroporto de Guarulhos, trato de seguir os conselhos veiculados nas emissoras de tv: fique o tempo todo de olhos vidrados nos seus pertences porque, acredite, os aeroportos estão cheio de larápios. Isso mostrado pelas câmeras da própria Infraero. As câmeras registram as ações, mas as autoridades não prendem ninguém.

Sei que estou amargo, mas eu preferia só ter que me preocupar em desviar do cocô dos cachorros.

3 comentários:

  1. Nao podia concordar mais. Se isso é ser amargo, sou a rainha da amargura. Me incomoda esse ufanismo dos brasileiros que teimam em tentar me convencer de que o Brasil mudou. Mudou e continua do mesmo jeito. Me incomoda quando me perguntam o que eu vim fazer no Canadá. E quando eu digo que vim atrás de tudo isso que você citou no texto ( e muito mais) e que encontrei aqui, me olham atravessado. Nao são os olhares atravessados que me incomodam... nunca me preocupei com isso... afinal, sou atéia, cheia de tatuagem e ouço heavy metal... olhar atravessado faz parte da minha vida... mas me incomoda essa conformidade e essa pseudo- satisfação com um país que tem tao pouco a oferecer! Fico feliz em saber que o Uruguai é assim (menos pelos cocôs dos peludos... aqui o povo sai com saquinho na mao pra recolher os dejetos dos bichinhos), mas ao mesmo tempo me deixa triste, pois diante disso é fácil constatar que falta de educaçao, corrupçao, jeitinho, mania de burlar a lei não é questao de dinheiro. É cultural! Ta no sangue desse povo... e isso ninguem muda!!

    peço perdao pelo comentário ainda mais amargo do que seu texto! Mas adorei!! Beijos

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. Coisa linda poder viajar! Meu sonho é mochilar pela américa latina antes de conhecer outros lugares do mundo. Adorei as descrições e o seu estilo de escrever também, Ivanildo, espero que volte a usar o blog com mais frequência! As fotos também ficaram bem legais. Obrigada pela visita ao Tema De Lara, fiquei lisongeada com seu comentário e te deixei uma resposta lá! Beijos.

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